O conceito de Agroecologia surge no final do século XX, a partir da necessidade de construção de uma alternativa para recuperar tecnologias de produção alimentar sustentáveis e aprimorar os conhecimentos já existentes para promover a segurança alimentar e nutricional com práticas acessíveis a agricultores/as familiares. A biodiversidade, a justiça social, o uso racional dos recursos naturais e a valorização do conhecimento tradicional estão dentre seus princípios fundamentais.
Após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento de fertilizantes sintéticos, defensivos agrícolas e, posteriormente, da engenharia genética, houve um processo rápido de modernização da agricultura. Esta transição ficou conhecida como Revolução Verde e o seu produto é o que conhecemos hoje por agricultura convencional. A agricultura convencional foi então reconhecida por sua capacidade de aumento da produtividade agrícola e promessa de acabar com a fome mundial, porém, apesar do aumento da produção, logo percebeu-se que havia muitos riscos em sua aplicação. Dentre os impactos mais adversos, estão várias alterações nas características físico-químicas dos ecossistemas, na qualidade dos solos, nos ciclos hidrológicos e a redução significativa e preocupante da biodiversidade.
No âmbito da Agricultura Familiar, os impactos são particularmente expressivos e negativos face ao fomento de tecnologias intensivas que exigem investimentos inacessíveis para este segmento. Por meio da monopolização de fatias cada vez maiores do mercado, da criação de pacotes tecnológicos que geram ciclos de dependência aos/às agricultores/as, e da redução do valor recebido pela produção, o setor agrícola tem sido conduzido à redução das oportunidades de trabalho e de geração de renda, ao êxodo rural e à exclusão social.
As mudanças climáticas representam também um fator impulsionante de uma transição urgente para sistemas alimentares que sejam capazes de desacelerar o processo de liberação de gases do efeito estufa na atmosfera e criar maior resiliência para as produções de alimentos.
Ao considerarmos que as necessidades de produção agrícola aumentarão cerca de 60% até 2050 para acompanhar o crescimento populacional.¹ existem desafios importantes a ser considerados para a promoção de uma transição para sistemas alimentares mais sustentáveis.
É nesta linha que se situa a Agroecologia, consolidadora de uma abordagem que integra os princípios agronómicos, ecológicos e socioeconómicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e toda a sociedade.²
Como um paradigma de baixo para cima para o desenvolvimento rural sustentável, a agroecologia capacita as pessoas a se tornarem seus próprios agentes de mudança.
De acordo com a FAO (2021), a Agroecologia propõe transformar os sistemas alimentares com base nos seguintes princípios interligados e interdependentes³:
A agroecologia preconiza a maximização da diversidade. Do ponto de vista biológico, essa diversidade de espécies e recursos genéticos pode ser mantida num nível espacial (sistemas agroflorestais e consorciação de cultivos); temporal (sucessão de cultivos); e pela combinação produtiva de plantas com animais. A biodiversidade contribui para a manutenção da riqueza nutricional; para a produtividade, criação de novas oportunidades de mercados, variedade de produtos e consequentemente rendimentos; segurança perante os riscos que as mudanças climáticas oferecem à produção agrícola; maior capacidade de uso eficiente dos recursos ambientais, além da realização de serviços ecossistêmicos como a polinização e a manutenção da qualidade do solo. Os sistemas agroecológicos diversificados são mais resilientes, com uma maior capacidade de se recuperar de perturbações, incluindo eventos climáticos extremos, como secas, inundações ou furacões, e de resistir ao ataque de pragas e doenças. As abordagens agroecológicas podem igualmente aumentar a resiliência socioeconômica. Por meio da diversificação e integração, os produtores reduzem sua vulnerabilidade caso uma única cultura, espécie animal ou outra mercadoria falhe. Ao reduzir a dependência de insumos externos, a agroecologia pode reduzir a vulnerabilidade dos produtores ao risco econômico.
Na busca de soluções adaptadas a cada contexto, a agroecologia constrói e difunde suas tecnologias a partir da valorização de conhecimentos locais em conjunto com o conhecimento científico global. O compartilhamento de conhecimentos desempenha um papel central no processo de desenvolvimento e implementação de inovações agroecológicas para enfrentar desafios que surgem no contexto de sistemas alimentares. A experiência dos(as) produtores(as) sobre a biodiversidade agrícola, gestão, bem como o seu conhecimento relacionado aos mercados e instituições são absolutamente centrais neste processo.
Para a agroecologia, a dignidade, a equidade, a inclusão e a justiça social são valores fundamentais; seu objetivo é ajudar indivíduos, especialmente mulheres e jovens, a empoderar-se e a sair da pobreza. Sistemas agroecológicos devem colocar as aspirações e necessidades daqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos no coração dos sistemas alimentares. Ao construir autonomia e capacidades adaptativas para gerenciar seus agroecossistemas, abordagens agroecológicas capacitam pessoas e comunidades a superar a pobreza, a fome e a desnutrição, ao mesmo tempo em que promovem os direitos humanos, como o direito à alimentação, e a administração do meio ambiente para que as gerações futuras também possam viver em prosperidade.
A agroecologia busca enfrentar as desigualdades de gênero, criando oportunidades para as mulheres, que compõem quase metade da força de trabalho agrícola e desempenham um papel vital na segurança alimentar doméstica, na diversidade alimentar, na saúde, bem como na conservação e uso sustentável da diversidade biológica, porém, permanecem economicamente marginalizadas e vulneráveis a violações de seus direitos, enquanto suas contribuições muitas vezes permanecem não reconhecidas.
A agroecologia fornece também uma solução promissora de geração de empregos para o futuro, pois se baseia em uma forma diferente de produção agrícola que é intensiva em conhecimento, ambientalmente amigável, socialmente responsável, inovadora, e que depende de mão de obra qualificada. Enquanto isso, jovens rurais em todo o mundo possuem energia, criatividade e um desejo de mudar positivamente seu mundo.
A redução da prevalência da fome no mundo não implica apenas aumentar a quantidade de alimentos produzidos. A agroecologia promove a construção de relações mais harmoniosas entre a produção e o consumo de alimentos com vistas à realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas.
Mecanismos de governança transparentes, responsáveis e inclusivos são necessários para criar um ambiente propício que apoie produtores (as) a transformar os sistemas em que estão inseridos (as) seguindo conceitos e práticas agroecológicas que garantem a participação social e a coordenação intersetorial. O acesso equitativo a recursos naturais é fundamental para maior justiça social.