Práticas Agroecológicas

Relato submetido por Celso Armando Massango1

1. Introdução

A produção agrícola constitui uma das atividades bases para o desenvolvimento da economia nacional. Em Moçambique, cerca de 60% da população depende da agricultura para a sua sobrevivência. Nas zonas rurais, mais de 90% da população local depende da produção de alimentos para suprir as suas necessidades básicas.  Contudo, a insuficiência de sistema de produção aliado ao uso de técnicas de produção rudimentares tem colocado a baixo os esforços dos camponeses. 

A maior parte das regiões da zona sul de Moçambique apresenta um clima semi-árido e com predxominância de planícies. A rede hidrográfica da região é composta maioritariamente por rios de regime periódicos. Os solos da região são na sua maioria franco-arenosos e franco-argilosos. Estas características condicionam a prática da agricultura. Pois, em parte os solos não possuem fertilidade suficiente para assegurar uma serie de épocas de cultivo de alimentos e para piorar a sua textura permite uma lixiviação excessiva dos nutrientes. Estas condições edáficas, combinadas com o clima local fazem desta atividade muito ariscada. Ou seja, as elevadas temperaturas e a escassez de água para irrigar os campos levam os esforços dos pequenos agricultores a baixo.  Tendo em consideração as adversidades que os agricultores de pequena escala têm vivido no seu dia-a-dia, as organizações da sociedade civil do ramo agropecuário vêm trabalhando no sentido a aprimorar a capacidade de produção dos produtores oferecendo diversos equipamentos aos grupos de agricultores associados.  

No âmbito das iniciativas de apoio ao sector agrário, a Kukula em parceria com a Kulima desenvolveram em 2015 um programa de adaptação ás mudanças climáticas no âmbito do projecto PACA, implementado no Posto Administrativo de Bobole-Marracuene e nos Postos Administrativos de Matsequenha-Namaaha.  Este projecto visava promover o desenvolvimento socio económico dos agricultores locais através da potenciação do sector agrário. Para o efeito, foram trabalhados os seguintes pilares:

  • Reabilitação de sistemas de retenção de águas (represas),
  • Fornecimento de insumos agrícolas aos associados e
  • Capacitação dos agricultores às técnicas agrícolas resilientes a mudanças climáticas.

1. 1 Justificativa

O projecto surgiu como resposta aos anseios da iniciativa da promoção do desenvolvimento rural e da necessidade de tornar as comunidades locais auto-suficientes para prover alimentos para o seu consumo familiar e para geração de receitas para suprir as necessidades das suas famílias. Esta iniciativa encaixava-se ainda nos planos governamentais de reduzir a dependência da região sul pela vizinha Africa do Sul tido como o maior fornecedor de alimentos para as províncias do Sul de Moçambique e que infelizmente, seu sistema de produção é altamente baseado em princípios inorgânicos. A existência de algumas áreas com condições agro-ecológicas favoráveis para esta prática, com maior enfoque para os cereais e algumas leguminosas constituiu um dos inputs fundamentais para acelerar a ideia de que tudo é possível e que desse modo atuou como um catalisador para as áreas que apresentam condições adversas e desfavoráveis para a prática.  Por esta razão, as intervenções nos três pontos tiveram uma variação no que tange aos pacotes de apoio prestados pelas organizações acima mencionadas, sendo que a associação Telmina Pereira de Bobole recebera insumos agrícolas e se beneficiou de diversas capacitações e já as comunidades do Porto Enriques e Matsequenha beneficiaram de reabilitação de sistemas de retenção de água bem como insumos e capacitações.

2. Metodologia

2.1 Localização da área de implementação do projecto

O projecto PACA, é uma iniciativa virada para mitigar os efeitos das mudanças climáticas que que afetaram o sul de Moçambique. Este projecto foi desenvolvida concretamente nos postos administrativos de Matsequenha e Porto Enriques no distrito de Namaacha e posto administrativo de Bobole no distrito de Marracuene, todos da província de Maputo.

Características agro-geológica da área de implementação do projecto

De um contexto geral, o clima da área de implementação do projecto é semi-árido, com temperaturas medias a variar entre os 23o a 26o no verão e 17o a 23o no inverno. A precipitação média mensal é de 150mm, no entanto, apresenta  uma variação sazonal relevante destacando-se: • Um período húmido, entre Novembro e Maio, onde ocorre um valor de precipitação equivalente a cerca de 85% do valor total anual da precipitação, sendo o mês de Janeiro o mês mais chuvoso com precipitação média mensal de cerca de 230 mm; • Um período seco entre Junho a Outubro com médias mensais de precipitação inferiores a cerca de 70 mm.

Nos pontos em referência, predominam solos castanhos e esbranquiçados, com exceção de Matsequenha que são vermelhados de textura média.  Em todos os pontos onde o projecto esteve inserido apresentam uma insuficiência de recursos hídricos. Os principais rios que correm nas regiões são de regime periódico condicionando desta forma a pratica agrícola. Como forma de reduzir os impactos negativos dessa disponibilidade sazonal dos recursos hídricos, as comunidades locais apostam na abertura de poços e edificação de represas.

Principais intervenções do projecto PACA

Em 2015 Moçambique foi assolado por uma estiagem severa causada pelo efeito el-ninho e das mudanças climáticas que vem se intensificado a cada ano no nosso país, caracterizado por eventos extremos. Em parte, a zona centro e norte é assolada por cheias e ciclones e a zona sul pelas secas ou estiagens. Estes efeitos adversos fazem com que maior parte dos esforços das populações sejam reduzidos a zero. Muitas culturas incluindo criação animal se perdem por conta dos efeitos desses fenómenos. A província de Maputo no ano em referência apresentou uma boa parte dos seus distritos com bolsa de fome por conta da estiagem que se verificou. Portanto, para dar resposta a esses desafios, o projecto PACA interveio em seguintes actividades:

  • Reabilitação da represa e abertura de furos de água;
  • Capacitação dos pequenos agricultores e
  • Fornecimento de insumos agrícolas.

Reabilitação da represa e abertura de furos de água

No âmbito do estudo de base, os resultados preliminares deram a entender que o distrito de Namaacha apresentava muita falta de água quando comparado com o distrito de Marracuene e desta forma, a componentes infraestruturas foi concebida para os postos administrativos de Matsequenha e Porto Enrique, ambos do distrito de Namaacha. Deste modo, a represa construída sobre o rio Movene em Matsequenha beneficiou de uma reabilitação de raiz para permitir a retenção das águas para posteriores usos na actividade agrícola. Em paralelo a mesma iniciativa, no posto administrativo de Porto Enrique, foram aproveitadas as margens inferiores do leito do rio Mahubo que também é de regime periódico para abertura de poços de ± 3 metros de profundidade e revestidos de anilhas de betão para lhes conferir maior resistência. Parte desta água foi posteriormente canalizada para o centro da aldeia para o consumo doméstico, para os centros de abeberamento de gado e outra para a irrigação das machambas.

 

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Figura 1: Processo de levantamento de dados

Capacitação dos pequenos agricultores

Tendo em conta os novos desafios que a natureza estava a colocar os pequenos agricultores, a necessidade de adopção de novas técnicas de cultivo de alimentos foi imprescindível. Perante esse facto, o projecto capacitou os associados em temas que consistem no uso sustentável dos recursos hídricos, redução do impacto da falta de chuvas (uso de variedades e espécies tolerantes a seca e o uso de cobertura morta dos solos incluindo o uso de sombritas na produção de mudas), a diversificação das fontes de renda com base no uso dos sistemas agroflorestais (culturas agrícolas vs árvores de frutas e /ou forrageiras e a criação animal), actuando em processos simbióticos e a construção de celeiros para a conservação dos excedentes da produção. De salientar que estas capacitações tiveram lugar em todas as zonas por onde se implementou o projecto.

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Figuras 2 e 3: Processo de capacitações dos associados

Fornecimento de insumos agrícolas

A passagem do fenómeno el-ninho não teve impacto negativo não só para os pequenos agricultores. Esta crise teve uma trascendencia para as camadas que também dependiam da cadeia produtiva por isso, várias famílias ficaram vulneráveis. O aparecimento das iniciativas do género foi visto como um balão de oxigénio para as comunidades e algumas das populações se viram a forcados a abraçar a agricultura, aumentando desta forma o número de produtores agrícolas. Tendo em conta que o público alvo foi selecionado olhando para a vulnerabilidade que apresentava resultante da passagem do fenómeno natural a cima referenciado, a maior parte destes pequenos agricultores já se encontravam desprovidos de insumos para reactivar a sua actividade e outros sem mesmos equipamentos de trabalho. Daí, o projecto ofereceu desde os equipamentos de trabalho simples (enxadas, regadores, pulverizadores, ancinhos e catanas), sementes e alguns medicamentos.

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Figuras 4 e 5: Processo de distribuição dos insumos agrícolas  

Resultados

Com a implementação do projecto PACA as comunidades locais registaram uma melhoria significativa das suas vidas, passando a apresentar:

  • Um aumento de produção e produtividade e consequente soberania alimentar no seio familiar;
  • Diversificar as fontes de renda e melhoria da dieta alimentar e nutricional;
  • Aumento do número do gado nas famílias e na região e
  • Consumo de água potável e consequente aumento do nível de vida.

Conclusões e recomendações

Com base na experiência vivida neste projecto, pode se concluir que as iniciativas do género, bem geridas trazem um impacto visível no ceio das comunidades locais. Contudo, não basta atrair investimentos e sem dar o devido seguimento. Pois, algumas abordagens apresentadas em certos projectos não permitem a continuidade do projecto após o enceramento do programa.  Tendo em conta a continuidade das calamidades naturais no país versos distribuição desproporcionada dos apoios ao nível da região, recomendaria que as iniciativas desta natureza fossem extensivos e beneficiassem as comunidades das áreas mais recondidas e não se verificar a sobreposição de certos programas quando existem zonas nem se quer um se beneficiam.

1 Kukula (ROSA)