Práticas Agroecológicas

Apresentação

Este guia apresenta a Prática Agroecológica de Adubação Verde. A adubação verde é uma prática fundamental no planejamento e gestão de sistemas agrícolas sustentáveis, pois protege o solo – na medida em que garante a sua cobertura permanente – e melhora a sua fertilidade ao assegurar teores mais elevados de matéria orgânica. Além disso, as leguminosas podem ser cultivadas com um terceiro objetivo: colher o grão para a alimentação humana, enquanto a palha é usada como adubo verde.

Este é um material pedagógico para a melhoria do planejamento e gestão de sistemas agrícolas sustentáveis com ênfase na produção de alimentos.

tabela 1

I – A prática agroecológica de adubação verde

Os métodos agroecológicos aplicam o princípio da prevenção, fortalecendo o solo e as plantas através da promoção do equilíbrio ecológico em todo o ambiente. Na agroecologia e na produção orgânica existem manejos importantes que são indispensáveis para o bom funcionamento e equilíbrio do meio ambiente com as culturas introduzidas. A saúde das plantas depende, entre outras coisas, de um solo fértil, bem equilibrado, e da diversificação das culturas que favorecem o equilíbrio do ambiente.

 A adubação verde é uma prática que melhora as caraterísticas físicas, químicas e biológicas do solo. As leguminosas são as plantas mais usadas como adubo verde, pois se associam com bactérias fixadoras de nitrogênio/azoto, que assim fica disponível para a planta e, posteriormente, aquando da sua incorporação no solo, para a cultura que lhe sucede. Além disso, estimulam a existência de fungos micorrísicos que aumentam a absorção de água e plantas pelas raízes. Para favorecer estas ações, é usual inocular as sementes com bactérias fixadoras de nitrogênio/azoto no momento do plantio da leguminosa usada como adubo verde (EMBRAPA, 2007).

Adubação verde é uma prática agroecológica com diversos benefícios, tais como:

  1. Aumento da capacidade de armazenamento de água no solo;
  2. Ajuda a proteger o solo com cobertura vegetal permanente;
  3. Controle de nematóides e fitoparasitos;
  4. Ajuda na descompactação, estruturação e aeração do solo;
  5. Fixa de nitrogênio/azoto do ar no solo – leguminosas (feijão, soja, ervilhaca);
  6. Traz nutrientes do fundo do solo mais para a superfície;
  7. Intensifica da atividade biológica do solo;
  8. Recupera de solos de baixa fertilidade;
  9. Auxilia no controle das ervas espontâneas e na incidência de pragas e doenças;

Ao assegurar essas funções ecológicas, a adubação verde contribui para alguns serviços ecossistêmicos. Em primeiro lugar, ela recupera solos inférteis e degradados. Isso em muito se deve ao efeito que tem no aumento do teor de matéria orgânica e na reativação da biodiversidade do solo. Ao mesmo tempo, a adubação verde sequestra carbono, pois essa matéria orgânica incorporada ao solo pela adubação verde é carbono fixado. Por fim, ela ajuda a garantir a segurança alimentar de comunidades rurais, pois contribui para a formação de solos mais férteis onde será possível produzir alimentos de alto valor biológico e nutricional.

II - Adubo verde, leguminosas e a segurança alimentar

Em alguns casos, leguminosas são cultivadas com uma dupla função: produzir alimentos e adubar o solo. Isto é, o grão é colhido para consumo da família ou para vender ao mercado; e a palha é incorporada ao solo. Dessa forma, para além da melhoria das condições de solo, o plantio de adubos verdes contribui também para a segurança alimentar as comunidades produtoras agrícolas.

Para incorporar as leguminosas no solo, é necessário ter em consideração qual a fase do ciclo cultural do adubo verde mais adequada para uma maximização de resultados. Se o objetivo é adubar a próxima cultura, para os mehores resultados de adubação, deve-se cortar a cultura usada como adubo verde no final da fase da floração. A partir deste momento, a fixação biológica do nitrogênio/azoto termina e parte do nitrogênio/azoto fixado acaba por migrar e concentra-se majoritariamente nas sementes, diminuindo a sua capacidade de adubação.

Esta estratégia está alicerçada em algumas caraterísticas das leguminosas:

 

  1. As leguminosas são adequadas a ambientes marginais. 
  • Variedades resistentes a seca e com enraizamento profundo podem fornecer água subterrânea para as cultuas vizinhas quando plantadas em sistemas consorciados.
  • Nas regiões áridas, o plantio de leguminosas pode favorecer as populações através da produção de alimentos.
  • As leguminosas são fontes acessível de proteínas, minerais e renda.
  • Os pequenos agricultores e agricultoras podem produzir leguminosas como cultura de rendimento.
  • Alimento para a comunidade de pequenos agricultores como uma fonte importante de acesso a proteínas.
  • As proteínas obtidas das leguminosas representam economia quando comparadas com alimentos de origem animal. 
  1. Impacto no desperdício alimentar
  • As leguminosas podem ser armazenadas por longos períodos sem perder o seu valor nutricional e minimizando as perdas.
  • A proporção do desperdício alimentar das leguminosas causado por deterioração é muito baixo.

III - produção de adubos verdes e o manejo nutricional

O uso de adubos verdes deve ser enquadrado nas estratégias de gestão da fertilidade da propriedade. Essa estratégia é orientada pela teoria da Trofobiose. Esta teoria foi demonstrada pelo Francis Chaboussou e afirma que plantas bem nutridas são mais resistentes às pragas. Uma alimentação desequilibrada para as plantas – seja decorrente da falta de adubação da terra, seja em consequência do uso de fertilizantes químicos de síntese, que criam excesso temporários de nutrientes – diminui a resistência das plantas a doenças.

 Por isso, o/a produtor/a rural tem como ponto de partida o conhecimento da sua propriedade. Isso implica conhecer as fontes de produção de matéria orgânica na propriedade. Por outro lado, é imprescindível a avaliação da fertilidade do solo. Para isso, é necessário:

  • Analisar o solo: química, física e microbiológica;
  • Analisar a água: química e biológica;
  • Análise dos teores de minerais residuais e manutenção;
  • Avaliar da cobertura vegetal existente;
  • Analisar as condições climáticas e microclimáticas da região e do local de produção;
  • Avaliar tecnicamente a topografia e a hidrografia.

 

A partir destes dados, é necessário definir uma estratégia de gestão da fertilidade, com objetivos de curto, médio e longo prazo. A adubação verde está necessariamente inserida nessa estratégia.

IV - função da adubação verde no manejo do solo

O uso de adubos verdes implica a adoção de duas práticas de manejo que fortalecem a fertilidade do solo: a rotação e o mulching (ou cobertura de solo). A rotação de culturas é uma prática milenar que consiste em alternar os cultivos numa mesma parcela agrícola. Ela permite um uso mais adequado do solo, na medida em que diferentes espécies utilizam diferentes estratos do solo e evita a propagação de pragas e doenças, ao aumentar a diversidade. O uso de adubação verde da rotação incrementa, aos benefícios esperados da rotação, os efeitos da incorporação da matéria orgânica ao solo.

O mulching é a forma mais eficiente de adição de matéria orgânica ao solo, do ponto de vista energético e de recursos naturais. Os adubos verdes são roçados, geralmente no final da fase de floração, e o material roçado é espalhado sobre o terreno. Essa cobertura protege o solo do impacto direto das chuvas e dos raios solares, o que tem diversos benefícios:

  • Diminui a evaporação de água do solo; 
  • Evita selamento superficial do solo;
  • Reduz das amplitudes térmicas no solo;
  • Aumenta da infiltração de água;
  • Protege do solo contra a erosão por escorrimento;
  • Protege das mudas contra o vento e a radiação solar; e
  • Estimula o desenvolvimento das raízes.

A escolha da espécie de adubo verde depende da rotação com as culturas com função econômica.  Devem ser selecionadas espécies que possam ocupar o terreno quando essas culturas saem. Além disso, a seleção das espécies depende também das condições de solo e clima da propriedade.

Na seleção da espécie devem também ser levado em conta outras caraterísticas técnicas dos adubos verdes.

Nome (Família)

Hábito

Época

Ciclo (dias)

Semeadura

Observação

Crotalária

(Leguminosa)

Arbustivo

Verão

120

Linha e lanço

Fixação N, rústico, boa capacidade de rebrote, rapidez cobertura do solo.

Feijão porco

(Leguminosa)

Arbustivo e baixo

Verão

90

Linha e covas

Fixação N, rústico, resistente à seca, boa capacidade de rebrote, rapidez cobertura do solo.

Guandu

(Leguminosa)

Arbustivo e alto

Verão

200

Linha, lanço ou covas

Fixação N, rústico, resistente à seca, tolerante à geada, sistema radicular vigoroso, grãos comestíveis

Lab-lab

(Leguminosa)

Trepador

Verão

130

Linha e covas

Fixação N, rapidez cobertura do solo, excelente qualidade forrageira.

Mucuna preta

(Leguminosa)

Trepador

Verão

150

Linha e covas

Fixação N, rústica, suscetível à geada, rapidez cobertura do solo, controle inços.

Aveia preta

(Gramínea)

Touceira

Inverno

100

Linha e lanço

Rústica, vários cortes, rapidez cobertura do solo, controle inços, resistência a doenças, sistema radicular vigoroso.

Centeio

(Gramínea)

Touceira

Inverno

120

Linha e lanço

Rústico, rapidez cobertura do solo, controle inços, tolera solo ácido-arenoso.

Ervilhaca

(Leguminosa)

Trepador

Inverno

150

Linha e lanço

Fixação N, boa proteína, ressemeadura natural, boa capacidade de rebrote

Tremoço

(Leguminosa)

Arbustivo

Inverno

110

Linha, lanço ou covas

Fixação N, rapidez cobertura do solo, rústico, sistema radicular vigoroso, controle inços

Quadro 1 – Caraterísticas de alternativas para adubação verde – leguminosas e gramíneas

 

FSF maio2008 044

Figura 1 – Cobertura vegetal com leguminosa (crotalária)

 

Figura 2 – Cobertura vegetal com a legumina Mucuna (à esquerda) e aveia preta plantada entre ciclos de hortaliça (à esquerda).

V - Inoculação da semente para o plantio

A capacidade de fixação de nitrogenio/azoto depende da quantidade de bactérias fixadoras presentes nas raizes das plantas. Por essa razão, uma boa prática é inocular as sementes com bacterias fixadoras no momento de plantio. Desse modo, é possivel obter uma leguminosa com muitos nódulos nas raízes e boa capacidade de fixação como a apresentada na foto abaixo.

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Figura 3 – Presença de nódulos na raiz de leguminosas com sementes inoculadas

 

O inoculante consiste num material que contém bactérias específicas para cada espécie de leguminosa. Por este motivo, o inoculante preparado para uma leguminosa não pode ser usado em outras espécies. 

Fertilizantes minerais nitrogenados e agrotóxicos são tóxicos para as bactérias fixadoras.

Alguns cuidados são fundamentais para manter a qualidade do inoculante. 

  • Utilizar materiais dentro do prazo de validade;
  • Armazenar em temperaturas baixas, geladeira/frigorífico;
  • Abrir os pacotes somente no dia da utilização;
  • Espalhar as sementes inoculadas de forma imediata ao processo de mistura;
  • Cobrir as sementes no solo para evitar contato direto do sol.

VI - manejo do adubo verde

A utilização de adubos verdes e seu manejo depende do calendário climático de cada região. Altas temperaturas e chuvas permitem alta produção de biomassa, incorporação de nitrogênio/azoto e ciclagem de nutrientes. Assim, a introdução de leguminosas de verão em sistemas de consorcio ou de rotação de culturas pode incorporar quantidades significativas de nitrogênio/azoto aos sistemas de produção agroecológicos.

Existem diversas formas de manejo do adubo verde, tais como:

Adubação verde em sistemas plantio direto

Em sistemas de plantio direto, a cobertura do solo com a palhada da planta usada como adubo verde dificulta o estabelecimento de plantas invasoras.

Pré-cultivo ou em rotação de culturas.

A espécie usada como adubo verde é plantada antes ou depois de uma cultura com valor comercial para melhor o solo, que será, posteriormente, usado para o plantio de um novo cultivo com objetivo econômico.

Em consórcio

A espécie usada como adubo verde pode ser semeada em conjunto com a cultura com objetivo econômico e ser cortada a meio do ciclo desta cultura. Assim ela fornece nutrientes ainda para esta cultura. 

Alternativamente, pode ser semeada no final do ciclo de uma cultura com objetivo econômico para fornecer nutrientes a outra cultura que ser semeada/plantada alguns meses depois.

Em faixas

Algumas leguminosas perenes e semi-perenes são cultivadas em faixas entre talhões destinados às culturas com objetivo econômico. Estas leguminosas são podadas regularmente para fornecer matéria orgânica para a cultura. 

Quadro 2 – Diferentes estratégias de manejo de adubo verde (Embrapa, 2007).

Bibliografia consultada

ADAPTA SERTÃO. Resumo dos insumos orgânicos. [Rio de Janeiro]: Adapta Sertão, [s. d.] c. (Folheto).

AGROBIOLÓGICA. Nossos produtos. São Paulo: Agrobiológica – Soluções Naturais, [s. d.].

CENTRO ECOLÓGICO. Agricultura ecológica: princípios básicos. Dom Pedro de Alcântara: Centro ecológico, 2005.

MURAOKA, T. CERVEIRA, R. Adubação Verde para Agricultura Orgânica: Curso Regional de agricultura orgânica. Piracicaba: E.J. Ambrosano, 2000.

PRORGÂNICO. Bancos comunitários de sementes de adubos verdes: cartilha para agricultores. Campinas: Convênio MAPA/FUNDAG, 2007

SOUZA, R. B.; ALCÂNTARA, F. A. Adubação orgânica no sistema de produção de hortaliças: Circular técnica 65. Brasília: Embrapa, 2008.

Produzido por Fábio S. V. Ramos no âmbito do Programa de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento das Capacidades do Centro de Competências para a Agricultura Familiar Sustentável na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (TCP/INT/3708)